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A Igreja em Barroso

A Igreja em Barroso

31
Out20

EDITORIAL - 23ª EDIÇÃO

Nem tudo é caduco

Por estes dias, encontrei uma senhora idosa no adro da Igreja, com o olhar fito nas árvores, quase nuas das bonitas e verdejantes folhas, que vistosamente exibiram durante o verão. Cumprimentei-a. Muito calmamente, virou-se para mim e sentenciou: «Senhor padre, o que eu fui e o que eu sou. Fui uma mulher vivaça, trabalhadora, lutadora, cheia de genica, agora estou como estas árvores, nua de cabeça, de forças, de tudo. Estas árvores somos nós. Tudo tem o seu fim.» Neste mês de novembro, em que somos convidados a rezar pelos defuntos, somos confrontados com a realidade da morte e a caducidade da vida, realidades que o mundo de hoje procura esconder ou disfarçar. Mas tudo se acaba mesmo? Tudo passa, é verdade, mas o amor e o bem nunca passarão. Ficam para sempre.

Uma história judaica (abreviada) conta o seguinte: um homem tinha três amigos. Um dia foi surpreendido por uma intimação do Rei que o instava a comparecer no Palácio Real. Inexperiente nestes encontros, foi ter com o primeiro amigo, considerado inseparável, para que o acompanhasse, mas disse-lhe que não o podia acompanhar. Partiu à procura do segundo amigo, com quem se encontrava de vez em quando para conversar e beber uns copos. Dispôs-se a acompanhá-lo, mas só até à porta. Não dava. Restava-lhe o terceiro amigo, aquele que via por mero acaso apenas uma ou duas vezes no ano. Para seu espanto, dispôs-se a acompanhá-lo até junto do Rei. Moral da história: o amigo n.º 1 é a nossa própria vida, a minha própria vida; eu e a minha vida, os meus trabalhos, os meus negócios, os meus projetos. Andamos sempre juntos, mas, quando eu morrer, de facto, nada disso me vai acompanhar; o amigo n.º 2 são os nossos próprios amigos: podem acompanhar-nos só até à porta do cemitério; o amigo n.º 3, aquele que raramente vemos, é o bem que fazemos ao longo da nossa vida; é o amor que pomos naquilo que humildemente fazemos. É o único amigo que nos acompanhará sempre, para todo lado. É com este amigo que nos devemos preocupar mais.

Vivemos num tempo em que as pessoas agem mais por interesses do que por valores e princípios. Daí a crise moral em que vivemos, fonte de todas as crises. Há que mudar de rumo: só uma vida centrada no bem e no amor será uma vida verdadeiramente realizada, que Deus não deixará no esquecimento.

21
Abr20

EDITORIAL

Os mesmos megafones que andam agora aí nas ruas a apelar para as pessoas se recolherem em casa e evitarem contactos sociais, poderiam já andar há meses a apelar a mudanças no mundo e no estilo de vida das pessoas, que não seriam ouvidos. Já os teriam mandado calar. Foi preciso um vírus invisível e letal, que nos fez de novo bater de frente com a mais pura verdade da nossa vida, a nossa fragilidade e contingência, para pararmos um pouco e questionarmos o estilo de vida e o rumo que temos vindo a dar à vida e ao mundo, para nos encontrarmos de novo com a nossa humanidade.

Já é consensual: não podemos continuar a viver como o fizemos até agora e é necessário o advento de um novo paradigma para a vida, que enforme e renove as nossas relações humanas, a política, a economia, a vida social, a nossa relação com o mundo. 

Um novo paradigma implica uma nova relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Nos últimos anos, fruto do muito bem-estar que se conquistou e da prodigalidade económica, escolhemos erradamente o caminho do individualismo. Passámos a assentar a vida na desacertada e egoísta ideia de que a pessoa humana se basta a si mesma, é autossuficiente, pode viver desligada dos outros, com direito a viver só para si mesma sem pensar nos outros. Tornámo-nos distantes e desinteressados uns dos outros. Pura ilusão e infantil conceção de vida. Construímos vidas com uma imensa solidão, que só aumentou a nossa fragilidade e nos tornou desumanos. Temos de recuperar a nossa relação com os outros. Precisamos de nos sintonizar mais uns com os outros, sermos mais uns para os outros e termos mais interesse verdadeiro e sadio uns pelos outros na família e na sociedade. Os outros não são um estorvo à nossa realização e felicidade. Só somos felizes com relações humanas e amizades profundas e saudáveis. Sou feliz com os outros. Temos de apostar, por isso, mais no ser e na construção humana das pessoas e menos no ter fútil, no parecer, no exibir narcísico, na idolatria da nossa imagem e suas aparências.

Mas para vivermos verdadeiras e profundas relações humanas, penso que temos de recuperar a nossa relação com Deus, onde nos reencontramos connosco e com os outros, de quem somos e seremos sempre criaturas e filhos, de quem altivamente nos afastámos. A tragédia da nossa história, que já vem das origens, chamemos-lhe pecado original, é o homem renegar a sua condição e vocação de filho de Deus e querer ocupar o lugar de Deus, querendo ser o criador, o dono e o senhor de si mesmo, da vida, dos outros e do mundo, querer ter o poder e o domínio de tudo, quando afinal lhe cabe a missão de ser fiel e cuidadoso administrador, numa aliança de amor com Deus. Os progressos da ciência e da técnica permitiram ao homem ter a convicção de que aquele sonho não era uma quimera, tudo teria solução e tudo em breve estaria nas suas mãos. Outra pura ilusão. Estamos tão frágeis e efémeros como sempre estivemos.

Por fim, temos de ter outra relação com a natureza, com o mundo e os seus recursos, que estamos egoisticamente a esgotar. Deus incumbiu o homem de ser o jardineiro deste mundo maravilhoso, cabendo-lhe cuidar dele para si e deixá-lo bom para os outros, mas o homem está a ser o seu destruidor. Não pode continuar a persistir o capitalismo selvagem, que está em vigor, com uma ganância desmedida e uma obsessão cega pelo lucro, com tão altos níveis de poluição, correndo-se o risco sério de o planeta se tornar perigoso e inabitável para a condição humana. É preciso mais respeito e um olhar novo para a natureza e seus recursos e pensar, de forma sustentável, no futuro da terra.

03
Mar20

Quanto vale fazer 80 anos

Pe. Fontes só.jpg

Subi aos 80, ou diria desci aos 80 anos em 22-2-2020, quase sem dar conta, nem supunha que viessem tão cedo. tudo somado, resto zero, diria nas horas de desalento contabilístico…foi uma vida divertida, a brincar e a difundir alegria, paz, autoestima, fazendo do trabalho uma festa contagiante.

Saído da escola com a 4ª classe, amigo da leitura, quis continuar a estudar com a miragem de ser padre para pregar e ter um rádio, virado para a rua e comunidade de Cambezes. Com 10 anos e menos dizia que queria ser padre. e lá fui para vila real degradado para estudar 12 anos seguidos, controversos, tentando vencer desânimos, manter a decisão, dizer sim continuo mesmo perante os castigos dos superiores e fuga dos amigos.
A minha agenda desde os 15 anos era o meu desabafo dia a dia, escondida às vezes com alfabeto convencional, que hoje não sei interpretar, ora com tinta invisível..

Vencidas todas as provocações e tentações e contra todas as expulsões e previsões, aos 19 anos decidi ao acabar o curso aos 22 anos, aguardar os 24 da lei, e aos 23 recebo ordem à pressa do bispo(António Valente da Fonseca): prepara-te que te vou fazer padre, mas tens de mudar a casaca e vencidas todas as dúvidas, segui a regra de Santo Agostinho: si isti et istae, cur non ego?
Nos fracassos dizia como S. Paulo: omnia possum in eo qui me confortat: suficit tibi gratiam meam. miqui vivere cristus est.
E lá cheguei ao altar de Deus,
qui laetificat juvenetutem meam
tomei como norma de acção pastoral: instaurare omnia in cristo.

Comecei por missionar Tourém, Pitões, Paredes e Covelães, transpondo a serra da Mourela a cavalo aos sábados e domingos, frio, chuva, vento, lobos, fome nada me desmotivou. oito anos hoje pareceram 8 meses, alegres, de muitas aventuras, contactos com a galiza irmã. Grandes nevadas me prenderam. Ocupei-me em escrever e investigar os costumes locais, aos serões. Teatros fiadeiros, carnavais, escola, excursões a Fátima, Lisboa, grandes capitais e monumentos tudo para maiorem dei gloriam, seguindo as normas de abertura do vaticano ll, com a liberdade duma igreja arejada e as aberturas do 25 de abril tive algumas dificuldades e rejeições, que venci. Labor omnia vincit. Bonum certamen, certavi, cursum consumavi, fidem servavi.

Nas horas mais difíceis, ouvia esta voz: venite ad me omnes qui laboratis et honorati estis, et ego reficiam vos. Com mágoa deixei a Mourela e fui mandado pelo meu bispo António Cardoso da Cunha para as paróquias de Vilar de Perdizes, Meixide e Soutelinho da Raia, onde tive de me aculturar, contrastando e aprendendo do povo e da experiência do velho reitor, (1971. 2015) que prognosticou: parece bom rapaz, mas também pode ser o diabo. Passados os 80 cito e digo cupio dissovere et esse cum christo. como paulo desabafo: mici vivere christus est, mori lucrum.
Quis potest capere capiat……

António Lourenço Fontes

03
Mar20

EDITORIAL - 15ª Edição

Ainda não vai há muito tempo, uma esposa foi visitar o seu marido ao hospital. Encontrou-me na rua, cabisbaixa, cumprimentei-a e nem me deu tempo de lhe perguntar pelo estado de saúde do marido, rapidamente desabafou: “Ai como está o meu marido, senhor padre. Está que nem um passarinho na cama do hospital, não diz uma palavra, não abre um olho, todo cheio de tubos e mais tubos. Que Deus me perdoe, sou muito católica como você sabe, mas já pedi várias vezes a Deus que o leve. Custa-me tanto ver o meu marido naquele estado”. Tirou um lenço do bolso e secou as sinceras lágrimas que lhe caiam dos olhos. Dei-lhe um pequeno conforto afetuoso e seguimos caminho.

Por princípio e por fidelidade à Igreja, sou contra a eutanásia. Mas temos de admitir que é um tema complexo. E quando é assim gosto de ler muito e ouvir muito sobre o assunto e gosto pouco de me entrincheirar num dos lados da barricada. Serei sempre pelo lado da vida, certamente.

O assunto da despenalização da eutanásia que não fez parte da campanha eleitoral, o que para mim é imperdoável tendo se em conta a honestidade política que se exige em democracia e para com o povo. Como o assunto poderia fazer perder votos, dá a impressão de que alguns partidos o querem aprovar à sorrelfa, para não terem danos eleitorais. Nesta fase da despenalização da Eutanásia que está em curso, ainda me está a custar entender como é que vamos ultrapassar dois grandes obstáculos: a inviolabilidade da vida ditada pela nossa Constituição e o juramento de Hipócrates que os médicos fazem, que os obriga sempre a cuidar da vida e nunca a matar, como bem lembrou a Ordem dos Médicos.

A nossa Constituição diz claramente que na vida não se toca. É inviolável. Se a Eutanásia for aprovada já não vai ser assim. Afinal, a vida é violável. E passámos a dar o direito ao Estado e a uma elite de julgar quando é que se deve viver e quando é que não se deve viver. Estaremos a ir por um bom caminho? Se se passa assim por cima da Constituição, muito mais se poderá começar a fazer a partir de agora. Por outro lado, chamem-lhe, de facto, todos os nomes bonitos e dissimulados, mas a Eutanásia é matar. Se a aprovarmos, estaremos a promover uma trágica cisão civilizacional: a dar a alguém o direito de julgar o valor da vida e de a tirar a outra pessoa. Alguém o fará sem escrúpulos, não tenho dúvidas, mas a perda de respeito pela sacralidade da vida é um grande pilar que cai na construção da nossa civilização humana.

Toda esta discussão acontece quando sabemos que temos uma rede de cuidados paliativos muito deficitária no país. E sabemos algo muito mais preocupante: não há dinheiro nem vontade para se aumentar esta rede no país, permitindo-se respeitar a vida e dar um fim mais indolor ao sofrimento de muitos pacientes. Estamos a ir pelo caminho mais fácil: dar-lhes o direito a morrer, ou seja, desculpem, não temos mais tempo nem dinheiro para vós, ide andando. Até um dia destes.

05
Nov19

EDITORIAL

Entramos no mês de novembro, mês que a Igreja dedica à oração e à memória pelos defuntos, os nossos familiares e amigos que viveram e cumpriram a sua função entre nós. É um mês de recordação viva e comunhão profunda das duas Igrejas, que são uma única Igreja: a Igreja ainda peregrina na terra e a Igreja celeste, que já está na glória com Cristo, na eternidade, para lá do tempo e do espaço.

Com a própria criação a despir-se da beleza que exibiu durante a primavera e o verão, com o ruído do vento e das folhas secas a arrastarem-se pelo chão e a acumularem-se pelos cantos das ruas e becos, é um mês que nos confronta, por isso, com a nossa caducidade neste mundo e com a nossa finitude. Nada nem ninguém é eterno neste mundo. Um dia, que não sabemos quando, vamos ter de deixar este mundo e partir, assim o cremos, para outro espaço vital, outra realidade transcendente e metafísica, uma vida em plenitude, que Deus deseja oferecer àqueles que criou por amor, de que esta vida já é lançamento e preparação.

Ainda assim, a morte ainda nos levanta muitos medos e dúvidas. É uma noite espessa onde não queremos entrar. Cremos, mas não vemos. Daí que várias respostas se foram impondo ao longos dos tempos. Para muitos, não há mais vida nenhuma para lá da morte. O homem é uma feliz coincidência de átomos e células, que nasce, vive e morre. Os filósofos chamam-lhe o absurdo. Outros, como ela tem um tempo indominável e pode ser interrompida a todo o momento, sugerem afogá-la nos prazeres e nas licenciosidades deste mundo. A verdade é que estas duas soluções podem parecer corretas e tentadoras, mas são ilusórias e tacanhas. São geradoras de sem sentido, de insatisfação e escravidão, que o ser humano, mais tarde ou mais cedo, rejeitará, buscando alguém ou algo que verdadeiramente ilumine e preencha a vida. 

Apesar das sombras e incertezas que ainda nos acompanham, o mês de novembro é um mês para os cristãos testemunharem e anunciarem a sua esperança. Cristo morto e ressuscitado é a bússola e o GPS dos cristãos, que nos dá as coordenadas sobre quem somos, donde vimos e para onde vamos. Com Ele, cremos que caminhamos para um porto seguro, uma eternidade prometida para aqueles que o seguiram. Durante o mês de novembro, deixemos que a luz do seu Evangelho fortaleça o caminho titubeante desta vida e que, por nós, a sua luz chegue a tantos que andam à procura de uma luz ao fundo do túnel das suas vidas.

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